Virtual e Real (Canato Jr, O. Excerto da tese de doutorado)

Site: fisicaemrede
Curso: Oficina de Projetos de Ensino 2/4 (O virtual como apoio ao presencial)
Livro: Virtual e Real (Canato Jr, O. Excerto da tese de doutorado)
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Data: quarta, 18 Set 2024, 22:41

Descrição

Virtual e real

Virtual e real

Excerto da tese de doutorado “Física Quântica e formação docente: confluência de várias redes

(Canato Jr, 2014, pp 114-124)

Conceber a aprendizagem como (re)construção de feixes de relações entre significados pressupõe entender que ela assim se desenvolve em qualquer contexto, mesmo em situações como a das antigas sociedades orais em que nem escrita se tinha. As modernas tecnologias da informação e comunicação podem, no entanto, potencializar o processo de ensino e aprendizagem, haja vista a facilitação no acesso à informação possibilitada pelos adventos da web e do hipertexto, o uso de softwares que simulam experimentos científicos e o desenvolvimento dos ambientes virtuais cada vez mais usados tanto nos cursos a distância como nos presenciais.

I - Virtualização, Ciberespaço e Cibercultura

Nesse contexto ganha importância a compreensão do termo virtual em oposição à presença física imediata e não em oposição ao real. Uma operação de compra ou venda de ações por meio de um ambiente virtual é tão real quanto essa mesma operação feita presencialmente por um corretor. Como bem expressa Demo (2002), a noção de virtualidade nem mesmo está restrita ao advento das modernas tecnologias, com um quadro que retrata o rosto de uma pessoa podendo ser entendido como uma presença virtual tanto dessa pessoa como do próprio pintor:

[...] Existe, sem sombra de dúvida, presença virtual, para além da base física. Não foi inventada agora com o computador, apenas tornou-se mais ostensiva e, de certa forma, crescentemente avassaladora. Nas gravuras em pedra encontradas hoje de povos “primitivos”, temos sua presença virtual. Na carta que a mãe guarda de seu filho que mora do outro lado da Terra, temos, sob o signo da saudade, presença virtual. Na fé da comunidade religiosa, Deus está presente de modo virtual e talvez mais forte que o modo físico. Com o ciberespaço, esse tipo de presença invade nossas vidas de modo crescente e irreversível, não se podendo mais igualar virtual com fictício, fantasmagórico, simulado, irreal. O contrário de virtual é físico, não irreal. (DEMO, 2002, p.34).

 

A confusão em torno da associação entre os conceitos de virtualidade e irrealidade é também analisada por Lévy (2009, p.47) que aponta que na “acepção filosófica, é virtual aquilo que existe em potência e não em ato, o campo de forças e de problemas que tende a resolver-se em uma atualização”. Ou ainda, é virtual “toda entidade ‘desterritorializada’, capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular”. Uma árvore, por exemplo, está virtualmente presente na semente que a engendrará. Assim também, diversos contextos estão virtualmente presentes no vocábulo “árvore” que, enquanto não pronunciado em algum lugar e momento, tem “em si” existência virtual.

Em vista dessas definições, Lévy (2009) aponta dois motivos pelo qual a digitalização da informação pode ser qualificada como virtual: (a) embora fisicamente localizada em determinado suporte (DVD, pen drive, disco rígido), a informação está virtualmente presente em todos os nós da rede que necessitarem acessá-la; (b) sendo ilegíveis ao ser humano (combinações dos dígitos 0 e 1), os códigos de computador atualizam-se no tempo e no espaço como textos legíveis, imagens visíveis e sons audíveis.

Lévy (2009) analisa que há também outros movimentos de virtualização que hoje se manifestam em virtude do desenvolvimento das tecnologias da informática. A comunicação, por exemplo, absolutamente presencial nas antigas sociedades orais, tem seu caminho rumo à virtualização potencializado por sua digitalização. Da comunicação recíproca, assíncrona e a distância, já alavancada pelo correio ou pela escrita em geral, permite-se agora que “membros de um grupo humano (que podem ser tantos quanto se quiser) se coordenem, cooperarem, alimentem e consultem uma memória comum, e isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da diferença de horários” (LÉVY, 2009, p. 49).

Tal característica da comunicação contemporânea conduz, avalia Lévy (2009, p. 49), à virtualização das organizações que “tornam-se cada vez menos dependentes de lugares determinados, de horários de trabalhos fixos e de planejamentos a longo prazo”, bem como acentuam o caráter virtual que as transações econômicas e financeiras possuem desde a invenção da moeda e dos bancos.

É precisamente o caráter virtual da informação que Lévy (2009) identifica como a marca distintiva do ciberespaço, termo por ele assim definido:

Eu defino o ciberespaço como o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem informações provenientes de fontes digitais ou destinadas à digitalização. Insisto na codificação digital, pois ela condiciona o caráter plástico, fluido, calculável com precisão e tratável em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informação que é, parece-me a marca distintiva do ciberespaço. (LÉVY, 2009, p. 92-93).

 Os extensos e profundos reflexos culturais do advento e crescimento do ciberespaço motivam o uso do termo cibercultura, contextualizado por Lévy (2009) como uma terceira etapa da história das sociedades humanas marcada pela potencialização da virtualidade e universalidade inaugurada pelas sociedades baseadas na escrita, combinada com o relativo retorno à contextualização e singularidade das sociedades orais. Exemplo disso são os experimentos realizados nos modernos aceleradores de partículas:

É impressionante constatar que algumas experiências científicas realizadas nos grandes aceleradores de partículas mobilizam tantos recursos, são tão complexas e difíceis de interpretar que praticamente só ocorrem uma vez. Cada experiência é quase singular. Isso parece contra o ideal da reprodutibilidade da ciência clássica. No entanto, essas experiências ainda são universais, mas de outra forma que não a possibilidade de reprodução. Delas participam, de fato, grande número de cientistas de diversos países, que formam uma espécie de microcosmo ou de projeção da comunidade internacional. Mas, sobretudo, o contato direto com a experiência praticamente desapareceu em benefício da produção maciça de dados numéricos. Ora, esses dados podem ser consultados e tratados em grande número de laboratórios dispersos graças aos instrumentos de comunicação e de tratamento do ciberespaço. Assim, o conjunto da comunidade científica pode participar dessas experiências muito particulares, que são também eventos. A universalidade repousa, então, na interconexão em tempo real da comunidade científica, sua participação cooperativa mundial nos eventos que lhe dizem respeito em vez da depreciação do evento singular que caracterizava a antiga universalidade das ciências exatas. (LÉVY, 2009, p. 164-165).

II - Simulações Computacionais

Como parte da cultura humana, a educação também ganha novas dimensões com o desenvolvimento do ciberespaço e da cibercultura. No que se refere aos objetivos da discussão aqui apresentada, as questões da interatividade e da simulação computacional assumem particular importância. A fim de melhor concretizar a argumentação, faço nova imersão em minhas práticas de ensino junto a licenciandos de física do IFSP-SP, com destaque a uma atividade referente ao modelo atômico de Bohr.

A proposta é que após o ganho de uma visão panorâmica de um conjunto de simulações disponíveis na web[1], o licenciando "adote" uma ou várias delas (ou ainda outras que encontre em suas próprias pesquisas pela web) para elaborar um roteiro visando a introdução do modelo atômico de Bohr na escola média. Elaborados os roteiros, a tarefa seguinte é postá-lo em espaço próprio do ambiente virtual utilizado no curso a fim de disponibilizá-lo para leitura e análise de seus colegas que deverão, então, apresentar uma análise crítica a esse roteiro. Finalmente, o autor do roteiro terá completada sua tarefa ao expor seu posicionamento de concordância ou insatisfação para com tais análises críticas.

Há simuladores que focam a emissão de fótons, permitindo ao usuário manipular apenas os saltos eletrônicos no sentido da maior para a menor energia. Outros, elaborados com a intenção de diferenciar os processos de absorção e emissão de fótons, permitem ao usuário controlar o sentido energético a ser observado. Há também aqueles que favorecem a abordagem estatística, com elétrons inicialmente posicionados no estado fundamental, automática e aleatoriamente saltando para níveis superiores ao absorverem um fóton para, então, retornarem a esse mesmo estado fundamental, seja através de um único salto ou de uma sequência de saltos progressivos e aleatórios. Há simulações em que fótons são representados coloridos de acordo com sua frequência de valor numérico apresentado em destaque na tela. Outros focam o comprimento de onda correspondente a cada fóton. Por vezes, apresenta-se uma faixa representando o espectro eletromagnético. Outras vezes são apresentadas duas destas faixas, uma correspondente à emissão de fótons e outra à sua absorção. O valor do quantum associado a cada fóton é outra variedade encontrada entre os diversos aplicativos, com alguns deles apresentando diretamente tal valor ao usuário, ao passo que outros induzem ou explicitamente sugerem sua efetuação. Mesmo o modelo atômico em seu conjunto pode ser alvo de investigações, sendo possível encontrar simuladores que permitem alternância entre as simbolizações do elétron girando como partícula ou distribuído como onda estacionária ao redor do núcleo.

Dentre este universo de alternativas, todas gratuitas e de fácil acesso, qual a melhor? Talvez nenhuma, haja vista que uma pesquisa no “oráculo” Google certamente encontrará outras opções. Por outro lado, talvez o melhor seja utilizar todas ou um combinado de duas ou três delas a fim de estimular o exercício de comparações entre os estudantes da escola média. Nem mesmo surpreso deve-se ficar se determinado licenciando, inspirado pelas variedades observadas, ou pelas interações possibilitadas a partir das referidas análises críticas, resolver apostar em seus conhecimentos de programação para elaborar seu próprio simulador.

A questão de fundo é que a simulação, sendo um “modo de conhecimento próprio da cibercultura” (LÉVY, 2009, p.165), permite trabalho mais eficaz com a modelagem da realidade:

O conhecimento por simulação [...] só tem validade dentro de um quadro epistemológico relativista. Se não, o criador de modelos poderia se deixar levar pela crença de que seu modelo é “verdadeiro”, que ele “representa” no sentido forte a “realidade”, esquecendo que todo modelo é construído para determinado uso de determinado sujeito em um momento dado. [...] a proliferação contemporânea dos instrumentos de simulação, seu baixo custo e sua facilidade de uso representam, sem dúvida, o melhor antídoto contra a confusão entre modelo e realidade. Um modelo determinado, entre cem outros que poderiam ter sido criados sem muito esforço, aparece como aquilo que ele é: uma etapa, um instante dentro de um processo ininterrupto de bricolagem e de reorganização intelectual.

[ ] A simulação por computador permite que uma pessoa explore modelos mais complexos e em maior número do que se estivesse reduzido aos recursos de sua imagística mental e de sua memória de curto prazo, mesmo se reforçadas por este auxiliar por demais estático que é o papel. A simulação, portanto, não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes da imaginação e da intuição. (LÉVY, 2003, p. 76-77).


[1] Tal conjunto pode ser acessado a partir do tópico associado aos simuladores do modelo de Bohr na seguinte página eletrônica: <http://www.mdl19.fisicaemrede.com/course/view.php?id=7&topic=2> (Acesso em 31 Mar. 2014).

III - Ambientes Virtuais de Ensino e Aprendizagem

A proliferação de cursos a distância é fenômeno também contextualizado no desenvolvimento da cibercultura. No item 2.3 deste texto já foi assinalada a incrível velocidade com que na sociedade contemporânea se renovam os artigos que compõe nosso mundo material (ver página 33). Reflexo disso no mundo do trabalho é que cada vez mais rapidamente a formação inicial cede terreno frente à formação contínua e alternativa. Contínua seja pelas permanentes inovações inerentes a cada profissão, seja pela alternância de profissões que hoje caracteriza uma “carreira profissional”. Alternativa porque cursos técnicos de curta duração presenciais ou a distância, muitas vezes oferecidos pelas próprias empresas ou por seus consórcios, soam não raramente mais acessíveis e proveitosos do que cursos universitários presenciais de longa duração.

O ensino presencial também sofre influências de todo esse processo, sendo cada vez mais comum em seu seio o uso de técnicas típicas do ensino a distância, tal qual o desenvolvimento de ambientes virtuais de ensino e aprendizagem:

Dois ambientes de aprendizagem que historicamente se desenvolveram de maneira separada, a tradicional sala de aula presencial e o moderno ambiente virtual de aprendizagem, vêm se descobrindo mutuamente complementares. O resultado desse encontro são cursos híbridos que procuram aproveitar o que há de vantajoso em cada modalidade, considerando contexto, custo, adequação pedagógica, objetivos educacionais e perfil dos alunos. (TORI, 2009, p. 121).

 

Dentre os diversos softwares disponíveis para a gestão de ambientes virtuais de ensino e aprendizagem, destaca-se o Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment (Moodle). Gratuito e de relativa facilidade de instalação, administração e uso, este programa tem encontrado bom trânsito ao redor do mundo[2]. É nesse quadro que se insere o fisicaemrede.com, ambiente Moodle por mim desenvolvido em meio à problemática gerada pela suspensão de aulas nas redes de educação básica em agosto de 2009 devido à pandemia da gripe H1N1.

Mediante a autorização oficial de se realizar a distância parte da reposição de aulas, a ideia foi desenvolver uma ferramenta mais efetiva para o aprendizado do que o registro da simples troca de mensagens eletrônicas com o aluno, procedimento então sugerido pela coordenação pedagógica. Acessando com nome de usuário e senha o fisicaemrede.com, meus alunos da EE Alberto Levy liam breves orientações e textos e realizavam as tarefas compostas basicamente de cruzadas e outros passatempos interativos sobre transformações energéticas. De minha parte, ao acessar o ambiente podia verificar não somente as notas obtidas pelos alunos, conforme correção automática feita pelo sistema, como também extrair registros de suas presenças virtuais, incluindo-se, se desejada, até mesmo a identificação dos pontos de acesso[3] por eles utilizados.

Em vista da contínua utilização que venho fazendo da ferramenta, é pertinente apresentar breve descrição do Hot Potatoes, programa que permite a resolução online de palavras cruzadas e outros passatempos que podem ser configurados com o recurso do fornecimento de pistas para sua resolução. Cliques sucessivos na pista de um determinado termo presente em uma cruzada, por exemplo, leva à sua revelação letra a letra. O uso de tal recurso acarreta, no entanto, em decréscimo na valoração da atividade, de forma que se o aluno resolver “trapacear” e descobrir por meio destas pistas todas as letras de todos os termos presentes no passatempo, o programa lhe dará ao final da atividade uma primeira mensagem de felicitação quanto ao integral acerto, seguida de outra informando a atribuição da nota zero. Claro que a questão de fundo aqui não é a eficácia do programa quanto à inibição de eventuais fraudes na conquista de uma nota, mesmo porque sempre se podem inventar novas maneiras de burlar um sistema. O que é fundamental é a possibilidade de potencialização do aprendizado mediante a interatividade permitida:

[...] quanto mais ativamente uma pessoa participar da aquisição de um conhecimento, mais ela irá integrar e reter aquilo que aprender. Ora, a multimídia, interativa, graças à dimensão reticular, não linear, favorece uma atitude exploratória, ou mesmo lúdica, face ao material a ser assimilado. É, portanto, um instrumento bem adaptado a uma pedagogia ativa. (LÉVY, 2003, p. 40).

 

Mas é na integração do Hot Potatoes ao Moodle que a ferramenta revela toda sua versatilidade, com o professor podendo estipular o número de tentativas permitidas para cada passatempo, bem como se a nota final será composta pela nota média das diversas tentativas ou se somente será validada a nota da última tentativa ou, alternativamente, apenas a maior nota dentre todas as tentativas. Como todas as atividades Moodle, é também possível estipular o período de disponibilidade de cada passatempo, de forma que cliques tardios no ícone do passatempo resultarão em mensagens automáticas informando ao usuário algo como “sinto muito, mas esta atividade foi encerrada em tal data”. Se desejado, pode-se ainda vincular diversos passatempos em sequência, de forma a simular ou mesmo validar uma avaliação com diversas questões.

A título de exemplo e sem contar com as interatividades acima mencionadas, apresenta-se na figura 48 uma cruzada sobre termos característicos do estudo da estrutura da matéria normalmente por mim utilizada como avaliação diagnóstica junto a licenciandos de física do IFSP-SP[4].

 

Da única sala virtual disponível ao conjunto de meus alunos do EE Alberto Levy, o fisicaemrede.com tem sido amplamente e continuamente reestruturado a partir de meu ingresso, em 2010, como professor na Licenciatura em Física do IFSP-SP, passando a contar com um espaço de trabalho para cada disciplina por mim ministrada, além de áreas destinadas à livre realização de passatempos e de aprendizagem quanto à sua elaboração, à aprendizagem sobre Moodle em geral e à exposição do desenvolvimento da própria investigação vinculada ao doutoramento.  Vale obervar que com exceção de uma área de testes, todo o ambiente é aberto a visitações, sem necessidade de registro de usuário. Há, sim, recursos e atividades que somente são visualizados e praticados a partir de tal registro, mas dentro da ideia central de permitir a visualização global do ambiente e de facilitar suas conexões internas.

Outras características do fisicaemrede.com serão realçadas no próximo capítulo. Por ora, a descrição aqui feita deste ambiente, somada à anterior apresentação do trabalho com os simuladores do átomo de Bohr, já permite suficiente clareza no rumo tomado pelo pesquisador quanto ao uso das tecnologias da comunicação e informação no ensino de física e no motivo pelo qual o assunto é abordado nesta tese. Não se trata de procedimento autoavaliativo da qualidade do material produzido, das aulas ministradas ou da própria pesquisa. Trata-se, sim, de, resgatando aquele alerta quanto ao cuidado de não vislumbrar vida própria nestas tecnologias (ver p. 97), posicionar-se com clareza a favor de seu uso em qualquer nível e modalidade de ensino de forma a aproveitar ao máximo seu potencial na perspectiva da expansão da rede de significados do estudante. Ínfima contribuição didático-pedagógica pode ser associada ao uso de ambientes virtuais como meros repositórios de arquivos, de simulações como simples complementos às exposições teóricas do professor ou de questionários Hot Potatoes que se assemelhem a testes de vestibulares.

Nesse contexto, resgato o posicionamento de Demo (2012) a respeito da necessidade em apostar no desenvolvimento de ambientes virtuais que promovam a autoria docente e discente, sendo retrógradas as atitudes de ignorar ou depreciar esta inovação educacional:

A essas alturas, o que é inovação educacional se torna algo óbvio: iniciativas que aprimoram a oportunidade de aprender bem, tais como [...] os ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs) [que] só são importantes se os estudantes aprenderem bem com eles. Estão, porém, avançando sobre as instituições de educação de maneira crescente e compulsória. Assim, inovação educacional, hoje, implica AVAs também, tornando-se atitude retrógrada simplesmente contrapor-se a eles, depreciá-los, ignorá-los, como faz o Plano Nacional de Educação (PNE), quando, falando da formação de professores, admite apenas “cursos presenciais”. Primeiro, usa-se uma linguagem obsoleta que, no fundo, se rende ao instrucionismo da aula, como se não fosse possível aprender fora da sala de aula. Quem estuda está presente, do que se conclui que a distinção não é entre curso presencial e não presencial, mas entre cursos com presença física e cursos com presença virtual, de preferência híbridos. [...] postular que o estudante só aprende frequentando aula é uma velharia infame que só as pedagogias do arco da velha pleiteiam. Todo pedagogo que não sabe lidar com AVAs está fora do mapa. (DEMO, 2012).

 

O mérito dos ambientes virtuais de ensino e aprendizagem[5] não é, portanto, substituir a sala de aula física ou ser dela mero anexo ou apêndice, mas abrir o horizonte para a invenção de práticas educacionais que sem o virtual dificilmente se imaginaria realizar. Nessa via, merece atenção as considerações de Franco e Lessa (2012) sobre as características a serem contempladas na construção de ambientes virtuais interativos:

(a) que a plataforma seja multifluxo;

(b) que existam na plataforma funcionalidades que ensejem a configuração de uma topologia mais distribuída do que centralizada, possibilitando a precipitação da nova fenomenologia da interação (ou, em outras palavras, que a plataforma de aprendizagem seja realmente uma plataforma de rede);

(c) que a experiência de uso implicada no design da plataforma parta do que a pessoa conectada à plataforma pode desejar fazer e não do que a plataforma pode oferecer; e

(d) que o design da plataforma contemple mecanismos e funcionalidades que compreendam a adesão e a participação, mas que consigam chegar à interação, permitindo a adaptação mútua, a imitação e a colaboração e ensejando a manifestação daqueles fenômenos capazes de gerar auto-organização [...] O ideal é que esses mecanismos e funcionalidades sejam baseados em um gradiente de interação do tipo: adesão -> adesão-participação -> participação -> participação-interação -> interação. (Franco, Lessa, 2012).

 

Com tais considerações, Franco e Lessa (2012) procuram responder ao que denominam por concepções e práticas mais acordes à estrutura e dinâmica da sociedade-em-rede que está emergindo ou – o que é a mesma coisa – à fenomenologia da interação social, posicionamento que pode ser entendido como imerso ao desenvolvimento das pesquisas sobre “aprendizagem em rede”, termo que apesar de contemplar diversas conotações, envolve quase sempre a ênfase nos contextos colaborativos e/ou cooperativos de aprendizagem potencializados pela conectividade fomentada pela tecnologia digital.



[2] De acordo com as estatísticas disposta na página oficial do programa, <https://moodle.org/stats/> (Acesso em 31 Mar. 2014), no momento da escrita deste texto, eram quase 70 mil os sites Moodle  até então registrados, mais de 67 milhões os usuários deles participantes e 235 os países a eles referentes, sendo o Brasil o terceiro país em termos de sites registrados.

[3] Por ponto de acesso me refiro ao Internet Protocol, ou IP, do dispositivo (computador, tablet, etc) conectado na internet.

[4] O acesso interativo ao passatempo pode ser apreciado no seguinte endereço eletrônico: <http://www.mdl19.fisicaemrede.com/mod/hotpot/view.php?id=325> (Acesso em 31. Mar. 2014).

[5] Vale aqui observação acerca de minha preferência pelo uso da expressão “ambiente virtual de ensino e aprendizagem” frente a “ambiente virtual de aprendizagem”, de uso mais popular. Apesar de concordar com as considerações de Demo e outros educadores quanto à necessidade em ter como centro a aprendizagem, combatendo-se o característico foco dado pelo instrucionismo ao ensino, este último não se tornou para nada desprezível ou dispensável, sempre tendo alguém que alimenta e estrutura, com suas convicções educacionais, o ambiente virtual e que, portanto, direta ou indiretamente, ensina.

IV - Conectivismo

Parte desse processo é a emergência do conectivismo e sua polêmica proposição de ser uma nova teoria de aprendizagem que se mostraria mais adequada para lidar com a rapidez e complexidade que caracteriza o fluxo de conhecimento hoje potencializado pelas tecnologias digitais:

[ ] Todas as teorias existentes posicionam o processamento (ou interpretação) do conhecimento no indivíduo que está aprendendo. Este modelo funciona bem se o fluxo de conhecimento é moderado. Uma visão construtivista de aprendizagem, por exemplo, sugere que nós processamos, interpretamos e derivamos significados pessoais a partir de diferentes tipos de informação. O que acontece, porém, quando o conhecimento é mais um dilúvio do que uma gota? O que ocorre quando o conhecimento flui rápido demais para ser processado ou interpretado?

Uma vez que o fluxo se torna tão rápido e complexo, nós precisamos de um modelo que permita aos indivíduos aprender e atuar apesar do ritmo e fluxo. Um modelo de rede de aprendizagem (um atributo do conectivismo) descarrega algumas das funções de processamento e interpretação do fluxo de conhecimento para nós internos a uma rede de aprendizagem. Em vez do indivíduo ter que avaliar e processar cada pedaço da informação, ele/ela cria uma rede pessoal de nós confiáveis: pessoas, conteúdos, potencializados pela tecnologia. O aprendiz agrega nós relevantes e conta com cada um dos nós para prover o necessário conhecimento. O ato de conhecer é descarregado para a própria rede. Esta visão da aprendizagem condiz bem com a contínua complexidade e ritmo do desenvolvimento do conhecimento. (SIEMENS, 2006, p. 33, tradução nossa).

 

Embora agregadora de diversos tópicos explorados nesta tese, tais como o conhecimento como rede, a teoria das redes complexas, a complexidade do conhecimento e da aprendizagem, a proposição de Siemens (2006) sobre o conectivismo é aqui resgatada com cautela, haja vista que seu reconhecimento por este pesquisador somente se deu nas vésperas do fechamento do trabalho e que, como indicado por Demo (2011), há entre os pesquisadores da aprendizagem em rede significativas dúvidas a respeito da legitimidade em considerá-la como uma nova teoria de aprendizagem:

Pode-se afirmar que aprender é o processo de criar redes, a exemplo do que ocorre no cérebro entre os neurônios (Siemens, 2006). Este exemplo cerebral poderia ser estendido para pessoas, organizações, bibliotecas, sites, livros, revistas, bases de dados ou qualquer fonte de informação. A questão que sobra é se esta visão significa de direito e de fato uma nova teoria da aprendizagem. Num sentido, é sim, porque a própria ambiência nova e inovadora das plataformas digitais implica outros cenários obviamente. Noutro, não precisa ser, porque não é muito difícil reconfigurar teorias anteriores, trazendo-as – reconstruídas, naturalmente – para outros contextos. O conectivismo só não basta. É indispensável qualificá-lo. Por exemplo, construir conhecimento juntos é processo já bem reconhecido, em particular frente a casos convincentes como a Wikipédia. Esta novidade, no entanto, não substitui as outras enciclopédias, como se, de agora para frente, a única maneira de aprender e produzir conhecimento seria aquela mediada pelas novas tecnologias e tendencialmente amadoras. As plataformas da web 2.0, por si, já indicam o quanto novas tecnologias são impactantes no campo da aprendizagem, não podendo mais ser ignoradas. Mas elas não são, por si, a própria aprendizagem. Por isso, dizem Ryberg et alii: “Permanecemos incertos da epistemologia fundamental do conectivismo, e nos sentimos inseguros sobre onde se localiza em termos de outras teorias existentes” (2011:51). (DEMO, 2011).

 

Como manifestado pelo próprio Demo (2011), mais do que cultivar polêmicas, o fundamental é, no entanto, aproveitar ao máximo o potencial educacional das novas tecnologias, posicionamento que incorporo como válido para todo o caminhar pelo virtual feito nesta tese:

Na prática, porém, mais que seguir polêmicas sem fim, o mais importante é saber aproveitar o potencial imenso das novas tecnologias. Embora estas não dispensem outras teorias da aprendizagem, as reconfiguram de maneiras radicais por vezes, e vão se tornando indispensáveis para a nova geração. Pode-se aprender perfeitamente bem sem novas tecnologias. Mas, cada vez mais, fica estranho dispensá-las, porque invadiram já nosso dia a dia. Não cabe o determinismo tecnológico, porque não podemos ficar de fora como meras marionetes de algo que, no fundo, nós mesmos inventamos. Cabe menos ainda a pura resistência, em especial da pedagogia, porque, além de inútil e tola, impede que nos postemos à altura das novas gerações. (DEMO, 2011).