Virtual e Real (Canato Jr, O. Excerto da tese de doutorado)

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II - Simulações Computacionais

Como parte da cultura humana, a educação também ganha novas dimensões com o desenvolvimento do ciberespaço e da cibercultura. No que se refere aos objetivos da discussão aqui apresentada, as questões da interatividade e da simulação computacional assumem particular importância. A fim de melhor concretizar a argumentação, faço nova imersão em minhas práticas de ensino junto a licenciandos de física do IFSP-SP, com destaque a uma atividade referente ao modelo atômico de Bohr.

A proposta é que após o ganho de uma visão panorâmica de um conjunto de simulações disponíveis na web[1], o licenciando "adote" uma ou várias delas (ou ainda outras que encontre em suas próprias pesquisas pela web) para elaborar um roteiro visando a introdução do modelo atômico de Bohr na escola média. Elaborados os roteiros, a tarefa seguinte é postá-lo em espaço próprio do ambiente virtual utilizado no curso a fim de disponibilizá-lo para leitura e análise de seus colegas que deverão, então, apresentar uma análise crítica a esse roteiro. Finalmente, o autor do roteiro terá completada sua tarefa ao expor seu posicionamento de concordância ou insatisfação para com tais análises críticas.

Há simuladores que focam a emissão de fótons, permitindo ao usuário manipular apenas os saltos eletrônicos no sentido da maior para a menor energia. Outros, elaborados com a intenção de diferenciar os processos de absorção e emissão de fótons, permitem ao usuário controlar o sentido energético a ser observado. Há também aqueles que favorecem a abordagem estatística, com elétrons inicialmente posicionados no estado fundamental, automática e aleatoriamente saltando para níveis superiores ao absorverem um fóton para, então, retornarem a esse mesmo estado fundamental, seja através de um único salto ou de uma sequência de saltos progressivos e aleatórios. Há simulações em que fótons são representados coloridos de acordo com sua frequência de valor numérico apresentado em destaque na tela. Outros focam o comprimento de onda correspondente a cada fóton. Por vezes, apresenta-se uma faixa representando o espectro eletromagnético. Outras vezes são apresentadas duas destas faixas, uma correspondente à emissão de fótons e outra à sua absorção. O valor do quantum associado a cada fóton é outra variedade encontrada entre os diversos aplicativos, com alguns deles apresentando diretamente tal valor ao usuário, ao passo que outros induzem ou explicitamente sugerem sua efetuação. Mesmo o modelo atômico em seu conjunto pode ser alvo de investigações, sendo possível encontrar simuladores que permitem alternância entre as simbolizações do elétron girando como partícula ou distribuído como onda estacionária ao redor do núcleo.

Dentre este universo de alternativas, todas gratuitas e de fácil acesso, qual a melhor? Talvez nenhuma, haja vista que uma pesquisa no “oráculo” Google certamente encontrará outras opções. Por outro lado, talvez o melhor seja utilizar todas ou um combinado de duas ou três delas a fim de estimular o exercício de comparações entre os estudantes da escola média. Nem mesmo surpreso deve-se ficar se determinado licenciando, inspirado pelas variedades observadas, ou pelas interações possibilitadas a partir das referidas análises críticas, resolver apostar em seus conhecimentos de programação para elaborar seu próprio simulador.

A questão de fundo é que a simulação, sendo um “modo de conhecimento próprio da cibercultura” (LÉVY, 2009, p.165), permite trabalho mais eficaz com a modelagem da realidade:

O conhecimento por simulação [...] só tem validade dentro de um quadro epistemológico relativista. Se não, o criador de modelos poderia se deixar levar pela crença de que seu modelo é “verdadeiro”, que ele “representa” no sentido forte a “realidade”, esquecendo que todo modelo é construído para determinado uso de determinado sujeito em um momento dado. [...] a proliferação contemporânea dos instrumentos de simulação, seu baixo custo e sua facilidade de uso representam, sem dúvida, o melhor antídoto contra a confusão entre modelo e realidade. Um modelo determinado, entre cem outros que poderiam ter sido criados sem muito esforço, aparece como aquilo que ele é: uma etapa, um instante dentro de um processo ininterrupto de bricolagem e de reorganização intelectual.

[ ] A simulação por computador permite que uma pessoa explore modelos mais complexos e em maior número do que se estivesse reduzido aos recursos de sua imagística mental e de sua memória de curto prazo, mesmo se reforçadas por este auxiliar por demais estático que é o papel. A simulação, portanto, não remete a qualquer pretensa irrealidade do saber ou da relação com o mundo, mas antes a um aumento dos poderes da imaginação e da intuição. (LÉVY, 2003, p. 76-77).


[1] Tal conjunto pode ser acessado a partir do tópico associado aos simuladores do modelo de Bohr na seguinte página eletrônica: <http://www.mdl19.fisicaemrede.com/course/view.php?id=7&topic=2> (Acesso em 31 Mar. 2014).